Sempre gostei de me desafiar a escrever sobre algo o
qual tinha pouco conhecimento, sempre gostei de sentir o sabor de fazer a
própria descoberta. No fundo no fundo, talvez seja essa a grande razão pela
qual decidi dedicar parte do meu tempo escrevendo sobre o que me vem à mente,
sobre o que me causa inquietação. Acredito que no final das contas, sou mais um
engenheiro de palavras. Sim, estudo, avalio e construo o prédio de emoções que
originalmente desenhei. Para que servirá este prédio ainda não sei, apenas sei
que um dia quando precisar terei à disposição um lugar dentro do qual poderei
buscar abrigo. Do mesmo modo, observo na vida um padrão semelhante. Como diria
a canção “É preciso saber viver...”. Ora, e como é possível saber viver sem ser
um exímio construtor de felicidades ?
Devo admitir que inicialmente mostrei-me relutante a
questionar-me sobre a felicidade, pois
esta, juntamente com o amor certamente são os temas mais batidos na literatura,
novela, filme, música etc. De todo modo, é impressionante como a civilização
humana desenvolveu uma espécie de obsessão ou culto desproporcional destes
sentimentos, sobretudo do primeiro. Como se a felicidade fosse algo inacessível
ou alcançável somente nos últimos meses ou anos de nossas vidas, como se a
felicidade, uma vez atingida, fosse algo constante e inquebrantável. Sinceramente,
considero esse tipo de pensamento completamente irracional.
Era um dia de abril ou maio, ainda não sei ao certo, o
que sei é que havia terminando minha sequência de exercícios na academia e
encontrava-me pronto para retornar a minha casa. Lembro-me perfeitamente de
caminhar por entre os quarteirões observando
aquela paisagem absurdamente normal de senhoras de idade tricotando em frente a
uma espécie de alfaiataria , crianças brincando e comerciantes conduzindo seus
pequenos estabelecimentos. Como de costume, enquanto caminhava, internamente
também nadava nas correntezas de reflexões produzidas pelo meu próprio
pensamento. A sensação de extremo calor e de ardência na pele produzida por
aquele dia de incomparável céu azul e brilho intenso incentivava-me ainda mais
a aumentar a frequência dos meus passos. Subitamente, ao virar da esquina,
desfrutei do alívio ainda que passageiro. Um bar estrategicamente posicionado
abaixo da copa de uma grande árvore oferecia-me a sombra perfeita. Confesso que
tive a tentação de parar, e ali
permanecer alguns longos minutos, entretanto forcei-me a continuar
seguindo em frente mesmo que cada centímetro quadrado daquela sombra insistisse
em gritar meu nome. Apesar de tudo, dentre todos os motivos que poderia
descrever para voltar atrás, atender ao chamado daquela sombra certamente
figuraria entre os últimos de minha lista.
Aquele bar
tinha algo de estranho e ao mesmo tempo muito normal. Lembro-me de observar um
grupo de conhecidos sentados à mesa conversando sobre assuntos aparentemente
irrelevantes enquanto riam e descontraiam. Tudo isso enquanto bebiam suas
cervejas e ouviam a música oriunda do carro estacionado ao lado que dizia
“everything is gonna be alright.” Como se não bastasse, esta rodinha de
conversa também aproveitava da sombra produzida por aquela árvore. O contraste
entre mim e aquele grupo de amigos certamente destacava aquela penumbra, bem
como o vento que parecia massagear a face somente de quem ali estava , como que
oferecendo um serviço gratuito do ambiente. Invejei aquele lugar, e enquanto
caminhava olhei para trás diversas vezes. Certamente a felicidade estava
presente naquele bar ainda que os que ali se encontravam não a percebessem.
Muito provavelmente estaria escondida ou camuflada perto daquela sombra.
Tenho para mim que a felicidade é tão fluída quanto
tangível, diante disto, tudo o que temos que desenvolver é a capacidade para
nos mostrarmos mais sensível a perceber este estado de satisfação. Felicidade
plena não existe nem nunca existirá, pois sempre haverá pontos em nossa vida do
qual descordaremos. De fato, é impressionante como nós humanos temos a incrível
capacidade de sobrevalorizar erros e imperfeições e minimizar os aspectos
positivos que circundam nossas vidas. Talvez seja por isso que infelizmente só
aprendemos a dar valor a algo depois que perdemos. Bom mesmo seria se
soubéssemos apreciar a simplicidade dos detalhes e o sabor de cada descoberta.
Bom mesmo seria se soubéssemos que vive-se a felicidade intensa mesmo que
apenas durante alguns segundos de uma profunda gargalhada, da contemplação de um
por do sol ou do desfrute da amizade. Como se naqueles míseros instantes nada
importasse a não ser os motivos que o levaram ao êxtase. Bom mesmo seria se
soubéssemos construir felicidades com a mesma habilidade que aprendemos a
admira-la.