domingo, 29 de dezembro de 2013

divagações

Certa vez ouvi um jovem questionar-se sobre o que seria a liberdade.  E movido pela inquietação e curiosidade tal homem posicionou-se no alto da montanha e gritando a tudo e a todos pronunciou as seguintes palavras “ Eu sou livre !” Seria isso de fato a liberdade ? Pensou ele. Evidente que sim. Vivo o auge do meu vigor físico, posso correr quantos quilômetros qualquer outro homem saudável e bem preparado correria, posso fazer qualquer coisa e ir a absolutamente qualquer lugar que quiser. Ora, por que isso não haveria de ser o exercício da liberdade em sua máxima intensidade ? Retrocou a si mesmo o astuto jovem. Após uma pequena pausa de reflexão, olhou a infinitude do horizonte verde que se desenhava a sua frente. Desde então percebeu como, mesmo que por um breve período, era bom estar ali, longe da sociedade e de suas frenéticas preocupações. 
Era por volta das 18hs e o sol já anunciava sua humilde despedida do dia.  Antes  que esta estrela partisse, o inquieto homem refletiu: Como poderia haver liberdade executando-se sempre as mesmas tarefas ? Definitivamente, esta estrela a quem diariamente meus olhos saúdam não é livre. É inconcebível e paradoxal a existência da liberdade na rotina. E sentado sobre a relva que cobria a montanha, o jovem surpreendeu-se com a profundidade das reflexões que seus questionamentos iam tomando.
Adiante, após apreciar a beleza de ver o sol se por bem além da infinitude do horizonte em um lugar onde céu e terra pareciam se fundir, o homem fitou com atenção uma águia que rasgava o céu em busca de abrigo. Como poderia haver símbolo maior de liberdade do que uma ave em pleno vôo ? Sim, um ser que sente como poucos a delícia de experimentar o ar se esbarrando contra sua própria face, de poder cruzar continentes  alçando vôo rumo aos destinos mais longínquos, de observar lá de cima a pequenez humana diante da natureza. Voar quando e onde quiser sem depender de algo ou alguém talvez seja a sensação máxima de liberdade que uma pessoa pode passar. Feliz por poder chegar a conclusões cada vez mais precisas o jovem continuava sua reflexão. Entretanto, há um enorme problema com esta águia. Acrescentou. Ela simplesmente não é livre ! E em seguida tentou explicar a si mesmo o porquê como que tentando convencer uma outra pessoa de seus argumentos. Esta águia não é livre pois não tem consciência sobre o que é a liberdade. Não é livre pois a liberdade da águia repousa nos olhos de quem a observa e não em seus próprios. Seria um enorme erro atribuir à ave algo que é incondicionalmente humano: a razão.   
Sentindo-se orgulhoso de si, o jovem mais uma vez levantou-se e esticou os braços em plena escuridão anunciada. “ Eu sou livre e tenho perfeita consciência disso.” Proclamou a si o homem em tom de notável redenção. Já era tarde, e parecia que sua missão ali estava cumprida. Olhando cuidadosamente o chão, o jovem procurou sua bicicleta em meio ao breu do campo. Enquanto andava rumo à direção da luz urbana reparou que algo estranho acontecera. Infelizmente o rapaz pisou em falso seu pé esquerdo enquanto ainda buscava apoio para segurar sua bicicleta. Sentado no chão e inconformado com a dor que o impedia de exercer qualquer esforço o jovem homem aos poucos aquietava-se. As luzes dos postes pareciam tão perto visto dali. Engraçado como por certas vezes a vida parece nos pregar uma peça. Adicionou o rapaz agora em tom de murmúrio. Vejo meus objetivos tão perto de mim, mas no momento simplesmente não posso alcança-los. De fato, de que adiante a liberdade se em certos momentos não a posso exercer ?
Esperando a inoportuna dor passar sentado ao chão e divagando agora não mais ao sol, mas as outras estrelas, o homem quase inconscientemente também percebeu que seu orgulho por viver o auge de sua vida também fora ferido. Infelizmente também chegará o momento em que o tempo sobrecarregará meus ombros. Também chegará o momento em que meus braços e pernas não obedecerão à velocidade de meus pensamentos. E sobretudo, inevitavelmente também chegará o momento em que meu corpo desgastado pelo tempo se curvará à morte. Serei eu livre nesses dias que estão por vir ?  Inquieto, o jovem percebeu que após seu questionamento seguiu-se um longo período de silêncio. Acredito que sim, a liberdade não é simplesmente o exercício do vigor físico em sua máxima intensidade. Liberdade é antes de tudo a capacidade pura e simples de poder fazer escolhas e as seguir sem qualquer constrangimento. Evidente! Exclamou o jovem agora ciente do quão importante foram suas últimas conclusões. A queda e o tornozelo machucado agora pareciam fazer parte de todo o processo de aprendizagem. Sim, acrescentou mais uma vez o rapaz. Liberdade é o exercício da capacidade de fazer escolhas em um ambiente restringido por limites internos e externos ao próprio homem.
Em meio à escuridão anunciada, o jovem homem chegou as suas últimas conclusões naquele dia. Procurou, em seguida, tornar seus questionamentos os mais claros possíveis. Limites internos e externos ao homem sempre existirão. Afinal, nossas escolhas são constantemente tolhidas por nossa própria moral e instintos básicos. Ademais, limites externos como a lei, cultura e dogmas religiosos são construções coletivas que se impõem sobre a vontade individual. Nenhum de nós foi livre para escolher nossa língua materna, se adequar às regras de convivência social ou seguir as leis, elas simplesmente nos foram impostas. A liberdade, por outro lado, se assenta na possibilidade de fazer escolhas justamente neste vácuo de restrições. Desse modo, quando velho ainda serei livre, minha liberdade como um fluido que se adequa à forma de um jarro se acomodará às minhas novas restrições. Enquanto tiver consciência de que tenho autonomia serei portanto, o senhor de minhas próprias decisões.  E fatigado pelo longo monólogo pude ver o jovem agora recuperado de sua dor partir em sua bicicleta.

Essa foi a pequena lição a qual tive a possibilidade de testemunhar. Sinceramente não sei se um dia terei a oportunidade de me encontrar com este inquieto jovem novamente. Por outro lado, prefiro pensar de um modo diferente. Quero acreditar que este jovem, que partiu para nunca mais, se faz presente em cada letra que escrevo. Quero acreditar que este jovem habita em mim como um conselheiro que constantemente me fornece informações. Quero acreditar que esta inquietação sobre a liberdade se refletiu nessa escrita através de minha curiosidade em criar personagem, enredo e ambiente fictícios somente para dar vazão a o que pretendia expressar. Sim, posso acreditar nas conclusões que fui capaz de concluir. No fundo, também quero acreditar que este astuto jovem também habita a consciência de muitas pessoas e as motiva a expressar o que as causa inquietação. Afinal, não é por meio disso que o mundo se move ?

domingo, 1 de dezembro de 2013

Ponto de equilíbrio

“De repente, não sou nem metade do homem que eu costumava ser, há uma sombra que paira sobre mim. Ah, o ontem veio subitamente”. ( Yesterday/ Paul McCartney ) Gostaria de poder dispor de palavras tão assertivas quanto às desta breve canção escrita há mais de meio século. De fato, cada vez mais me impressiono como, diante da enorme complexidade humana, muitas vezes recorremos a padrões tão parecidos de comportamento. Como se a angústia e o sofrimento fossem um código universalmente compreendido, como se dispuséssemos apenas dos mesmos mecanismos para soluciona-los. Acredito que no final das contas essa homogeneização ocorre porque vivemos em sociedade. Afinal, em nosso tempo, de que outro modo seria possível conduzir nossas vidas senão através da superação de desafios ?  
Na música Yesterday, o eu lírico se lamenta pela perda da pessoa amada e pelo sentimento de culpa diante da falta de informações.  Nesse sentido, não lhe resta outro conforto senão a contemplação da saudade e a espera de que o ontem possa ser novamente vivido. A mim, esta interpretação e a música em seu todo são um convite constante à nostalgia: esta vontade de querer reviver o que já não se pode mais, de  abandonarmos nossas expectativas sobre o futuro e lançarmos, ao invés, projeções apenas sobre nosso passado. Algo que, diante de determinados contextos, parece ser muito mais confortável que enfrentar o problema em si.
Saudade, uma palavra tão peculiar à nossa língua materna, mas ao mesmo tempo tão universal. Diante da efemeridade da vida e da singularidade do momento, acredito que pouco a pouco nos condicionamos a esperar também por esse ontem idealizado. Esse segundo especial capaz de invadir nossas vidas, como uma ser que nos surpreende adentrando em nosso caminho, e nos restaurar, mesmo que por um breve instante, aquele velho brilho apagado. Sim, eu Concordo: acreditar no ontem é preciso, afinal, não é de lá que viemos ?  não é deste constante suceder de momentos que somos produzidos ?  Apreciar o passado é tão importante quanto saber projetar o futuro. O presente, considero ser a arte de saber conciliar esta dualidade. 
A partir do momento que o homem deixa de projetar expectativas ele inconscientemente abdica de viver. Do mesmo modo, renegar o passado significa constantemente renegar a própria história e a aprendizagem dela derivada. Assim como qualquer arte, na vida também é indispensável que haja equilíbrio.  Ao pintor, é confiado a responsabilidade de saber dosar luz e sombra. Ao poeta, conteúdo e forma. Ao músico, melodia e letra. Bom, ao homem, é confiado a responsabilidade de saber relacionar-se com seus diferentes “Eu” no tempo. Desafios e razões para olharmos para trás sempre existirão, a grande arte é saber daí frequentemente tirarmos conclusões sólidas o bastante para sepultarmos os sofrimentos e dar à luz  novos projetos.

 E quando este dia de perfeito equilíbrio vier, tenho certeza que não será de repente. Aliás, Tenho certeza que não haverá um horizonte nublado nem mesmo a fração de um homem esperando pelo imponderável. Viva o presente ! Pois este dia é hoje .






Recalcule sua rota

Vejo que a vida tem constantemente essa capacidade incrível de nos dizer que não podemos ter tudo que queremos. E quer saber? Tudo bem. ...

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