Às vezes tenho a impressão de que a vida
parece andar em círculos, tal qual aparentemente houvesse algum propósito
específico em nossas vidas. Acho interessante esse jeito criativo e muitas
vezes engenhoso de como certas circunstâncias parecem se repetir diante de
nossos olhos, nos fazendo questionar acerca da existência de uma inteligência
superior ou de meras sucessões de coincidências. Acredito que esses eventos
ocorrem para que saibamos retirar lições e ,sobretudo, para nos aperfeiçoarmos
constantemente como seres humanos. Penso que se deparar com situações
semelhantes e chegar a conclusões divergentes é a grande síntese da natureza
humana. Afinal, o ser humano tem essa capacidade de se readaptar
incessantemente, uma vez que do nascimento à morte a mudança é sempre uma
constante.
Inevitavelmente, somos o resultado de uma série de contrapontos: ansiedade e
calma, arrependimento e orgulho, saudade e desprezo, vingança e perdão. Enfim,
o homem é a contínua expressão de suas contradições. Muito embora isso possa
parecer estranho e incoerente, e de fato muitas vezes o seja, cabe a cada
indivíduo definir a dosagem que melhor lhe convém no momento adequado. Diria
que a racionalidade humana reside na sucessão das escolhas minimamente sensatas
que fazemos e na coerência que atribuímos aos nossos atos.
Acredito que a imprevisibilidade da vida
relega ao homem uma série de características mutáveis e por vezes ambíguas.
Somos pequenas unidades de percepção espelhadas no mundo. Ao todo, somos 7
bilhões de distintos fragmentos de interpretações, incertezas e inseguranças
que buscam verdades sobre as quais se amparar. Somos iguais em nossas
diferenças assim como diferentes em nossas igualdades. Ademais, cada peça desse
gigantesco mosaico, embora relativamente insignificante à grandeza do todo,
constitui-se de singular complexidade.
Cada fragmento é um universo em si mesmo.
Afinal, quem pode saber as incontáveis tristezas pelas quais passa uma
determinada criança irlandesa nesse momento ? Quem pode saber as inúmeras
dúvidas que vão afligir um trabalhador russo em instantes ? ou mesmo, as
decepções amorosas e pessoais que vão atingir o seu médico ou o gari que irá
pegar seu lixo ? Enquanto esta crônica é lida, o mundo se movimenta. Pessoas
nascem, se acidentam, morrem, sentem-se arrependidas, choram. Enfim, mas quem
se importa ? Seria uma típica resposta a essas perguntas. E é exatamente esse
tipo de resposta que me causa desconforto.
O ponto é que vivemos vidas tão ensimesmadas e
profundamente envolvidas dentro de nosso próprio círculo de preocupações e
ansiedades, que raramente desenvolvemos a capacidade de enxergar para além
daquilo que queremos ver. Percebo que gradualmente somos moldados a nos
tornarmos cada vez mais insensíveis à dor e ao sofrimento alheio, nos tornado
fragmentos desconexos formando mosaicos cada vez mais distorcidos.
Talvez a racionalidade da vida seja justamente
a não racionalidade, o aleatório. O que por sinal é uma hipótese bem plausível,
uma vez que a vida tem mesmo destas contradições. Considero que
independentemente da religião, filosofia de vida ou entendimento do mundo que
cada um tem, o propósito da vida continua sendo essencialmente o mesmo. Em
termos simples, diria que a vida tem o propósito que você dá a ela. Acho
interessante esse tipo de pensamento, porque te permite adequar uma massa
disforme de desejos a suas expectativas.
Talvez a existência de um propósito especial,
seja, mesmo que inconscientemente, aquilo que espero de minha vida, e a
repetição de certos eventos seja o meio pelo qual esse propósito se expresse.
No fundo, acho que tudo passa por desenvolver uma espécie de visão alternativa,
uma visão que te motiva a enxergar para além daquilo que de fato você vê e te
envolve. Independente do que eu experiencie, a realidade continua sendo aquilo
que interpreto que ela seja. Desse modo, o que observo é que sou mais um
fragmento de percepção do mundo, equilibrando meus sentimentos contraditórios
em busca de coerência, procurando coesão e identidade junto a outros fragmentos
e vivenciando a verdade, à medida que a construo. A vida é simplesmente o que
ela é.