quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O 3º passo

De todos os sentimentos, acho que o perdão envolve tudo aquilo que é mais difícil de se expressar. De fato, pedir perdão requer um exercício constante de humildade e sensatez.  Ainda assim, creio que sentir o peso da própria consciência te acusando incessantemente pelo o que você deveria ter feito ou evitado é uma tortura insuportável. Considero que esta dualidade entre o arrependimento e a postura inerte ou impassível diante da dor alheia represente justamente o abismo que existe entre as implicações de uma ou outra postura na mente humana.
Certa vez, tive a oportunidade de ouvir uma interessante história a qual insiste em não sair de minha cabeça, contada por um desconhecido senhor de idade já avançada enquanto eu visitava a casa de alguns parentes. Em linhas gerais, o relato que me foi contado me fez analisar com mais atenção e afinco o que de fato é o perdão .
Lembro que aquele homem, embora simples e notadamente de pouco estudo tinha uma sensível habilidade para contar histórias com vivacidade e emoção. Talvez fosse a credibilidade passada por aqueles poucos cabelos brancos que lhe cobriam a calvície. De todo modo, durante a maior parte do relato, tive a sensação de presenciar o testemunho e ver a história sendo escrita. Acredito que em razão disso, tenha me sentido tão próximo do ocorrido.
            Tratava-se da figura de um sujeito alto e de pele pálida. Um homem desempregado na casa dos seus 30 anos aparentemente calmo e concentrado. Ainda me questiono como aquele ser poderia ter sido capaz de cometer tamanha atrocidade. Sem dúvida, a natureza humana é repleta de questões imponderáveis e imprevisíveis. Talvez essa fosse também a mesma pergunta que aquele homem impunha a si mesmo.  Buscar respostas não mudaria seu passado, mas, com toda certeza, moldaria sua percepção do presente.
Olhar para os lugares pelos quais passou e depositou parte de suas expectativas e projetos o remetia a uma parte de si que adoraria preservar eternamente. Infelizmente observar o lago e a paisagem que a circundava não traria mudanças conclusivas em sua vida. É nostálgico analisar as possibilidades que poderia ter trilhado e não trilhou, as pessoas que poderia ter se tornado, mas não se tornou, entretanto, mesmo assim, sei que aquele homem gostava de dispor de bastante tempo mergulhando em seus pensamentos obscuros em busca de pretensas respostas. 

No cerne de toda sua introspecção, residia o câncer da culpa que o atormentava. Desde que houvera cometido aquele crime, vivia em estado de constante inquietação, negando-se, inconscientemente, qualquer forma de descanso a sua consciência. Descobrira que todas suas palavras eram vazias de qualquer conteúdo que pudesse lhe reconfortar.     
O sentimento de culpa era implacável. Inicialmente confrontado, buscou a negação como forma de defesa, tal qual uma criança que busca a luz como proteção à escuridão do quarto. Ainda sim, viu-se constantemente atormentado pelo peso do remorso que carregava. Após inúmeras noites em claro, gradualmente começou a perceber o fundo do poço a que chegara.  Negar a verdade era tão inútil quanto inventar seu próprio universo paralelo.
Aceitar a verdade dos fatos, embora trágica, o fez despertar para um sentimento de alívio em relação a si mesmo. Mesmo sabendo que a culpa continuava alojada em sua mente, sentiu-se feliz por estar lidando de modo mais maduro com seus problemas. Percebeu com isso, uma sensível melhora em seu humor. Inevitavelmente viu sua negação transformar-se em arrependimento. Ou seja, pela primeira vez em 11 anos, ousou assumir a culpa que a tempos fazia questão de esconder.
Na prática, negação e arrependimento eram palavras distintas que caracterizavam exatamente a mesma situação. Não foi tão difícil àquele homem perceber que arrependimento sem reparação era tão inútil quanto buscar se proteger da chuva usando apenas uma folha de papel. Era necessário, de alguma forma, buscar consertar o erro e o sofrimento que causou àquelas pessoas. Os 10 anos que passou na prisão foram necessários para quitar suas dívidas com a sociedade, mas não com as suas vítimas. Pronto: estava perfeitamente consciente de que era preciso pedir perdão.
Ainda hoje, flashes daquela dia incomum o atormentavam. Conformara-se a dizer a si mesmo, nos últimos anos, que o disparo que efetuou naquele dia foi acidental. Não gostava de rememorar a situação, mas era constantemente assaltado pelas lembranças que buscava reprimir. Ao longo dos anos, desesperadamente tentava realinhar a verdade dos fatos aos seus pensamentos. Com esse intuito, imaginava centenas de condicionalidades que poderiam ter sido evitadas para que aquele crime não tivesse ocorrido. Como se de algum modo o “SE” pudesse alterar o rumo da história.
Infelizmente, a verdadeira vítima de seus impulsos nunca poderia o perdoar,  pelo simples fato de que havia morrido naquele dia incomum. Era trágico admitir que fora capaz de matar alguém, sobretudo, uma criança carregada de alegria. Entretanto, não admitia retrocessos em sua missão de buscar reconforto interior, era preciso lidar com a verdade dos fatos, ainda que não tivesse a menor certeza de onde isso poderia levar.
Sentado na varanda de sua casa alugada, raciocinava formas de encontrar a família da vítima e pedir desculpas. Talvez isso fosse interpretado como um grande ato de arrogância por parte dos familiares. Entretanto, apesar do receio das incertezas que o aguardavam, acostumara-se a pensar que o medo de sua culpa não ser perdoada era ainda maior. Já fazia 1 ano desde que fora solto, era preciso encontrar um caminho em sua vida e livrar-se do peso do passado obrigatoriamente deveria ser seu primeiro passo.
Era preciso esquecer que um dia fora viciado em drogas e que perdera tudo o que possuía, sobretudo, que decidira roubar um supermercado para reaver o conforto que tinha e finalmente, era preciso esquecer que nesse assalto fora surpreendido por uma criança que passeava pela rua e institivamente tinha atirado em sua direção.  Nunca quisera cometer mal a ninguém, contudo, sua vida tinha sido escrita através do fruto das constantes escolhas erradas que tinha feito.  
Ao passar de dois meses de incessantes procuras, aquele homem finalmente conseguiu encontrar a casa da qual emanava o sofrimento que ainda o perturbava. Sentiu-se tenso e amedrontado com o que veria do outro lado da parede. Ainda assim, decidiu encher-se de coragem e bater à porta. Como que impulsionado por uma força sobrenatural, começou a vomitar todas as palavras que viera guardando nos últimos anos. Tentou não chorar e expressar somente seu lado racional, mas foi inevitável. De repente, viu-se ali chorando, a frente de uma casa qualquer e defronte a duas pessoas totalmente desconhecidas que, à exceção de um infortúnio cometido há 11 anos, não teriam qualquer ligação com ele.
Sim, deveria assumir seus erros e pagar pelo o que fez, mas também acreditava que poderia ser perdoado.  Relembrar a morte do filho causou desconforto aos pais que se entreolhavam de forma embaraçosa. Não era fácil ser atropelado por uma repentina lembrança de tristeza e mostrar benevolência diante disso. Não era fácil deparar-se com o assassino da pessoa de quem você amava e não sentir raiva por sua simples existência. Inicialmente, o homem viu espanto e desprezo naqueles que o encaravam, mas, impassível, notou a sinceridade de seus olhos ser captada por aquele casal. Muito provavelmente, seus próprios olhos foram a fonte de seu principal argumento. Instantaneamente, observou as feições daquelas pessoas transforem-se em compaixão e condescendência. Surpreendeu-se com a repentina demonstração de afeto e imediatamente, sentiu-se liberto de tudo que o pressionava quando os três se uniram num forte e demorado abraço
E olhando profundamente em meus olhos aquele senhor encerrou sua história:
 De fato, pedir perdão não muda o passado, mas é um ato simbólico carregado de significado capaz de remodelar sua percepção de si mesmo.


 

                                        sorry seems to be the hardest word








Recalcule sua rota

Vejo que a vida tem constantemente essa capacidade incrível de nos dizer que não podemos ter tudo que queremos. E quer saber? Tudo bem. ...

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