sábado, 1 de março de 2014

A excepcionalidade do comum

De fato, devo admitir que sou uma pessoa extremamente saudosista. Sim, às vezes me impressiono com minha capacidade em me remontar ao passado e reviver antigas emoções. Sentimentos esses evocados pelos gestos mais simples, como a observação de um lugar há muito tempo frequentado ou a degustação de cada uma das notas de uma música que racional ou irracionalmente me apresenta um significado. Sinceramente, tenho pra mim que esse excesso de nostalgia por vezes me faz sentir pior ou ainda mais incomodado que antes.  Como se algo dentro de mim me fizesse constantemente lembrar que o passado já foi melhor do que o agora. Como se algo constantemente me lembrasse que eu conheci pessoas as quais provavelmente nunca terei a oportunidade de ver novamente.  Curioso ou não, o fato é que, da mesma forma, eu procurei, de uns tempos para cá, captar a essência de toda essa inquietação que me toca e decodificar todo esse embaralhado de emoções em palavras. Se consegui alcançar minhas intenções ? Bom, provavelmente não. Descobri que palavras são muito limitadas diante da infinitude dos sentimentos.  De qualquer modo, a mim o mais importante em todo processo foi perceber que fazer o novo muitas vezes significa fazer o óbvio.  No final das contas, constatei que tanto viver quanto escrever bem se resume a duas palavras: Sensibilidade e simplicidade.
Desde que decidi dedicar parte de meu tempo a exercitar a arte da boa escrita, ( o que vem ocorrendo por volta de um ano e meio ) pude perceber claramente algo que para mim até então era completamente paradoxal. De fato, a simplicidade é a essência da arte. Engana-se quem pensa que a excelência e a dificuldade andam sempre juntas. Afinal, dificultar o entendimento daquilo que por vezes já é difícil não parece ser algo tão digno de mérito assim. Entendo que o papel de todo aquele que produz arte é antes de tudo interpretar o complexo mundo que o cerca. Bom, seguindo esse raciocínio observo que proceder uma interpretação em uma base perfeitamente compreensível a todos revela-se um enorme desafio.  Em decorrência disso, posso categoricamente afirmar que simplicidade não se confunde com pobreza de expressão. Simplicidade é falar do óbvio sem dizer o mesmo.
Durante essa jornada de quase dois anos me desafiando a escrever poemas e crônicas a uma média de quase uma por mês, reparei em mim o desenvolvimento de uma notória sensibilidade em perceber a manifestação de valiosos sentimentos nos momentos mais banais. À efeito de ilustração posso citar as crônicas que fiz sobre as observações acerca do tempo cronológico em um dia chuvoso, a efemeridade da vida no dia do falecimento do meu avô, a constatação de que a beleza da vida reside nos detalhes enquanto corria sob a forte chuva feito uma criança, a compreensão de que somos narradores personagens de nossas próprias biografias enquanto ouvia “let it be” no caminho de volta a casa, o entendimento de que a felicidade é perfeitamente factível e se manifesta nos momentos mais triviais enquanto observava uma roda de amigos se divertindo,  a conclusão de que somos em geral pessoas muito insensíveis enquanto observava uma flor cair ao chão e ser pisoteada e por fim, porém não menos importante, o entendimento de que, diante de um momento de fracasso e depressão, o silêncio pode ser a manifestação mais expressiva de nossa voz.

Mesmo que não consiga expressar a integralidade do que pretendia, sinto-me orgulhoso pelo simples gesto de constantemente me desafiar a escrever melhor. Penso que é natural do ser humano essa recorrente necessidade de mostrar-se útil e capaz a si, mesmo que, infelizmente, em apenas uma área de sua vida. No fundo, considero que escrever e viver são atividades que de tão complementares se tornam semelhantes. Como bem disse em um crônica que fiz “viver é a arte de saber escrever sua própria biografia” Além do mais, diria que o segredo de ambas as atividades é o exercício do banal, do padrão, da rotina encarados sempre de uma forma inovadora.
Devo reconhecer que comecei a escrever em grande parte movido pela necessidade de registrar o momento e ,sobretudo, de dar vazão aos sentimentos de depressão e solidão pelos quais passei. No fundo, buscar escrever o que sinto me faz constantemente ancorar meus pensamentos no passado e ampliar ainda  mais minha nostalgia. Talvez, a escrita seja o remédio e a dor ao mesmo tempo, o vício e a cura, o enigma e a solução. Talvez mesmo, eu esteja querendo fugir de algo que é certo e inevitável: o peso das lembranças. Ora, que tolice a minha não querer me sentir afetado pelo o que já fui. Doravante, penso em começar a buscar a simplicidade através do equilíbrio entre o que já fui e o que sou. Afinal, nada mais simples e banal do que tirar lições do passado e escrever um novo futuro.



2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá Ítalo como, vai? Você escreve muito bem, adorei ler-te. Eu também sou muito saudosista, costumo dizer que roubo recortes do tempo dou uma aparada nas arestas e devolvo sempre com o intuito de trazer a tona uma reflexão, uma emoção...Conheça minha página no face, estou fazendo o sorteio de um livro de minha autoria, se quiser participar será bem vindo...um abraço. https://www.sorteiefb.com.br/tab/promocao/341706

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