Certa vez
ouvi um jovem questionar-se sobre o que seria a liberdade. E movido pela inquietação e curiosidade tal
homem posicionou-se no alto da montanha e gritando a tudo e a todos pronunciou
as seguintes palavras “ Eu sou livre !” Seria isso de fato a liberdade ? Pensou
ele. Evidente que sim. Vivo o auge do meu vigor físico, posso correr quantos
quilômetros qualquer outro homem saudável e bem preparado correria, posso fazer
qualquer coisa e ir a absolutamente qualquer lugar que quiser. Ora, por que isso
não haveria de ser o exercício da liberdade em sua máxima intensidade ?
Retrocou a si mesmo o astuto jovem. Após uma pequena pausa de reflexão, olhou a
infinitude do horizonte verde que se desenhava a sua frente. Desde então
percebeu como, mesmo que por um breve período, era bom estar ali, longe da
sociedade e de suas frenéticas preocupações.
Era por
volta das 18hs e o sol já anunciava sua humilde despedida do dia. Antes que
esta estrela partisse, o inquieto homem refletiu: Como poderia haver liberdade
executando-se sempre as mesmas tarefas ? Definitivamente, esta estrela a quem
diariamente meus olhos saúdam não é livre. É inconcebível e paradoxal a
existência da liberdade na rotina. E sentado sobre a relva que cobria a
montanha, o jovem surpreendeu-se com a profundidade das reflexões que seus
questionamentos iam tomando.
Adiante,
após apreciar a beleza de ver o sol se por bem além da infinitude do horizonte
em um lugar onde céu e terra pareciam se fundir, o homem fitou com atenção uma
águia que rasgava o céu em busca de abrigo. Como poderia haver símbolo maior de
liberdade do que uma ave em pleno vôo ? Sim, um ser que sente como poucos a
delícia de experimentar o ar se esbarrando contra sua própria face, de poder
cruzar continentes alçando vôo rumo aos
destinos mais longínquos, de observar lá de cima a pequenez humana diante da
natureza. Voar quando e onde quiser sem depender de algo ou alguém talvez seja
a sensação máxima de liberdade que uma pessoa pode passar. Feliz por poder
chegar a conclusões cada vez mais precisas o jovem continuava sua reflexão. Entretanto,
há um enorme problema com esta águia. Acrescentou. Ela simplesmente não é livre
! E em seguida tentou explicar a si mesmo o porquê como que tentando convencer
uma outra pessoa de seus argumentos. Esta águia não é livre pois não tem
consciência sobre o que é a liberdade. Não é livre pois a liberdade da águia
repousa nos olhos de quem a observa e não em seus próprios. Seria um enorme
erro atribuir à ave algo que é incondicionalmente humano: a razão.
Sentindo-se
orgulhoso de si, o jovem mais uma vez levantou-se e esticou os braços em plena
escuridão anunciada. “ Eu sou livre e tenho perfeita consciência disso.”
Proclamou a si o homem em tom de notável redenção. Já era tarde, e parecia que
sua missão ali estava cumprida. Olhando cuidadosamente o chão, o jovem procurou
sua bicicleta em meio ao breu do campo. Enquanto andava rumo à direção da luz
urbana reparou que algo estranho acontecera. Infelizmente o rapaz pisou em
falso seu pé esquerdo enquanto ainda buscava apoio para segurar sua bicicleta.
Sentado no chão e inconformado com a dor que o impedia de exercer qualquer
esforço o jovem homem aos poucos aquietava-se. As luzes dos postes pareciam tão
perto visto dali. Engraçado como por certas vezes a vida parece nos pregar uma
peça. Adicionou o rapaz agora em tom de murmúrio. Vejo meus objetivos tão perto
de mim, mas no momento simplesmente não posso alcança-los. De fato, de que
adiante a liberdade se em certos momentos não a posso exercer ?
Esperando a
inoportuna dor passar sentado ao chão e divagando agora não mais ao sol, mas as
outras estrelas, o homem quase inconscientemente também percebeu que seu
orgulho por viver o auge de sua vida também fora ferido. Infelizmente também
chegará o momento em que o tempo sobrecarregará meus ombros. Também chegará o
momento em que meus braços e pernas não obedecerão à velocidade de meus
pensamentos. E sobretudo, inevitavelmente também chegará o momento em que meu
corpo desgastado pelo tempo se curvará à morte. Serei eu livre nesses dias que
estão por vir ? Inquieto, o jovem
percebeu que após seu questionamento seguiu-se um longo período de silêncio.
Acredito que sim, a liberdade não é simplesmente o exercício do vigor físico em
sua máxima intensidade. Liberdade é antes de tudo a capacidade pura e simples
de poder fazer escolhas e as seguir sem qualquer constrangimento. Evidente!
Exclamou o jovem agora ciente do quão importante foram suas últimas conclusões.
A queda e o tornozelo machucado agora pareciam fazer parte de todo o processo
de aprendizagem. Sim, acrescentou mais uma vez o rapaz. Liberdade é o exercício
da capacidade de fazer escolhas em um ambiente restringido por limites internos
e externos ao próprio homem.
Em meio à
escuridão anunciada, o jovem homem chegou as suas últimas conclusões naquele
dia. Procurou, em seguida, tornar seus questionamentos os mais claros
possíveis. Limites internos e externos ao homem sempre existirão. Afinal,
nossas escolhas são constantemente tolhidas por nossa própria moral e instintos
básicos. Ademais, limites externos como a lei, cultura e dogmas religiosos são
construções coletivas que se impõem sobre a vontade individual. Nenhum de nós
foi livre para escolher nossa língua materna, se adequar às regras de
convivência social ou seguir as leis, elas simplesmente nos foram impostas. A
liberdade, por outro lado, se assenta na possibilidade de fazer escolhas
justamente neste vácuo de restrições. Desse modo, quando velho ainda serei
livre, minha liberdade como um fluido que se adequa à forma de um jarro se
acomodará às minhas novas restrições. Enquanto tiver consciência de que tenho
autonomia serei portanto, o senhor de minhas próprias decisões. E fatigado pelo longo monólogo pude ver o
jovem agora recuperado de sua dor partir em sua bicicleta.
Essa foi a
pequena lição a qual tive a possibilidade de testemunhar. Sinceramente não sei se
um dia terei a oportunidade de me encontrar com este inquieto jovem novamente.
Por outro lado, prefiro pensar de um modo diferente. Quero acreditar que este
jovem, que partiu para nunca mais, se faz presente em cada letra que escrevo.
Quero acreditar que este jovem habita em mim como um conselheiro que
constantemente me fornece informações. Quero acreditar que esta inquietação
sobre a liberdade se refletiu nessa escrita através de minha curiosidade em
criar personagem, enredo e ambiente fictícios somente para dar vazão a o que
pretendia expressar. Sim, posso acreditar nas conclusões que fui capaz de
concluir. No fundo, também quero acreditar que este astuto jovem também habita
a consciência de muitas pessoas e as motiva a expressar o que as causa
inquietação. Afinal, não é por meio disso que o mundo se move ?
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