“De
repente, não sou nem metade do homem que eu costumava ser, há uma sombra que
paira sobre mim. Ah, o ontem veio subitamente”. ( Yesterday/ Paul McCartney )
Gostaria de poder dispor de palavras tão assertivas quanto às desta breve
canção escrita há mais de meio século. De fato, cada vez mais me impressiono
como, diante da enorme complexidade humana, muitas vezes recorremos a padrões
tão parecidos de comportamento. Como se a angústia e o sofrimento fossem um
código universalmente compreendido, como se dispuséssemos apenas dos mesmos
mecanismos para soluciona-los. Acredito que no final das contas essa
homogeneização ocorre porque vivemos em sociedade. Afinal, em nosso tempo, de que
outro modo seria possível conduzir nossas vidas senão através da superação de
desafios ?
Na música
Yesterday, o eu lírico se lamenta pela perda da pessoa amada e pelo sentimento
de culpa diante da falta de informações.
Nesse sentido, não lhe resta outro conforto senão a contemplação da
saudade e a espera de que o ontem possa ser novamente vivido. A mim, esta
interpretação e a música em seu todo são um convite constante à nostalgia: esta
vontade de querer reviver o que já não se pode mais, de abandonarmos nossas expectativas sobre o
futuro e lançarmos, ao invés, projeções apenas sobre nosso passado. Algo que, diante de determinados contextos,
parece ser muito mais confortável que enfrentar o problema em si.
Saudade,
uma palavra tão peculiar à nossa língua materna, mas ao mesmo tempo tão
universal. Diante da efemeridade da vida e da singularidade do momento,
acredito que pouco a pouco nos condicionamos a esperar também por esse ontem
idealizado. Esse segundo especial capaz de invadir nossas vidas, como uma ser
que nos surpreende adentrando em nosso caminho, e nos restaurar, mesmo que por
um breve instante, aquele velho brilho apagado. Sim, eu Concordo: acreditar no
ontem é preciso, afinal, não é de lá que viemos ? não é deste constante suceder de momentos que
somos produzidos ? Apreciar o passado é
tão importante quanto saber projetar o futuro. O presente, considero ser a arte
de saber conciliar esta dualidade.
A partir do
momento que o homem deixa de projetar expectativas ele inconscientemente abdica
de viver. Do mesmo modo, renegar o passado significa constantemente renegar a
própria história e a aprendizagem dela derivada. Assim como qualquer arte, na
vida também é indispensável que haja equilíbrio. Ao pintor, é confiado a responsabilidade de
saber dosar luz e sombra. Ao poeta, conteúdo e forma. Ao músico, melodia e
letra. Bom, ao homem, é confiado a responsabilidade de saber relacionar-se com
seus diferentes “Eu” no tempo. Desafios e razões para olharmos para trás sempre
existirão, a grande arte é saber daí frequentemente tirarmos conclusões sólidas
o bastante para sepultarmos os sofrimentos e dar à luz novos projetos.
E quando este dia de perfeito equilíbrio vier,
tenho certeza que não será de repente. Aliás, Tenho certeza que não haverá um
horizonte nublado nem mesmo a fração de um homem esperando pelo imponderável.
Viva o presente ! Pois este dia é hoje .
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